sábado, 26 de março de 2011

Religião na Escola

Coluna do Jornalista Hélio Schwartsman - Folha.com


"O que são as histórias da Bíblia? Fábulas, contos de fadas?", pergunta a professora do 3º ano do ensino fundamental. "Não", respondem os alunos. "São reais!"
A cena, que teve lugar numa escola pública de Samambaia, cidade-satélite de Brasília, abre a reportagem de Angela Pinho sobre o ensino religioso no Brasil, publicada no último domingo na Folha. É um retrato perfeito da encrenca em que essa disciplina, que vem crescendo e hoje abarca mais ou menos a metade das escolas do país, nos lança.
Se as historietas bíblicas são reais, como quer a professora, então nós temos vários problemas. Procedamos por ramos do saber, a começar da física. De acordo, com Josué 10:12, Deus parou o Sol para que os israelitas pudessem massacrar os amorreus. Mesmo que eu não duvidasse da onipotência do Senhor, pelo que sabemos hoje de mecânica, nada na Terra sobreviveria a uma súbita interrupção de seu movimento de rotação. Em quem o aluno deve acreditar, no professor de religião ou no de ciência?
A física não o comoveu? Que tal a geologia? Pela Bíblia, a Terra tem cerca de 6.000 anos --5.771, a confiar nas contas dos rabinos. Pela geologia, são 4,5 bilhões. É difícil, para não dizer impossível, conciliar a literalidade das Escrituras com a existência de fósseis com idades substancialmente maiores que os seis milênios. Do lado de qual professor o aluno deve perfilar-se?
Talvez o problema esteja nas ciências "duras". Passemos às humanidades. A Bíblia, como todo mundo sabe ou deveria saber, é a fonte da moral, e os ensinamentos que ela traz nessa área são incontestáveis. Será? Em várias passagens, o "bom livro" autoriza ou mesmo manda fazer coisas que hoje consideraríamos horríveis, como vender nossas filhas como escravas (Êxodo 21:7) e assassinar parentes que abracem outras religiões (Deuteronômio 13:7). Se julgamos que a ética se aprende através de exemplos livrescos, sugiro trocar as Escrituras pelo mais benigno Marquês de Sade.
OK. Alguém pode argumentar que essa professora é uma exceção. Afinal, ela parece estar sustentando a inerrância da Bíblia, conceito que, no Brasil, é defendido por poucas religiões, notadamente adventistas e testemunhas de Jeová. Para as demais, as Escrituras não precisam e nem podem ser tomadas ao pé da letra.
Admito que essa mudança de discurso nos livra de algumas das dificuldades mais vexatórias --já não precisamos conciliar o criacionismo da Terra jovem com as aulas de ciência--, mas nem de longe acaba com elas.
O texto continua ...

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