quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Neandertais na Terra Santa - Revista Veja

Por Reinaldo Lopes - Quem conhece mais ou menos bem o Antigo Testamento certamente já ouviu falar do monte Carmelo, no norte do antigo reino de Israel, e do confronto épico envolvendo o profeta Elias que teria tido o monte como palco. Numa espécie de “batalha de milagres”, Elias, em nome do Deus único de Israel, enfrenta sozinho 450 profetas do deus cananeu Baal e 400 profetas da deusa Asherah para ver quem consegue, literalmente, fazer chover fogo do céu para consumir as carnes do sacrifício feito aos deuses. (SPOILER: Elias ganha, e os profetas dos deuses pagãos têm um fim não muito agradável. Mais detalhes no Primeiro Livro dos Reis.) Foi só há pouco tempo, no entanto, que me dei conta de que o monte Carmelo pode ter sido palco de um conflito ainda mais épico há cerca de 100 mil anos — por sorte, sem motivação religiosa. Foi em sítios arqueológicos do maciço montanhoso que, nos anos 1930, a equipe da britânica Dorothy Garrod achou pistas do primeiro encontro entre membros da nossa espécie e seus “primos” neandertais. A coisa toda teria acontecido por volta de 100 mil anos atrás. Restos de humanos com anatomia mais ou menos moderna vêm do sítio de Es Skhul, enquanto os neandertais estavam presentes no sítio de Tabun. O Oriente Próximo, assim como a Europa, era território neandertal nessa época, mas é possível que o Homo sapiens, vindo da África, tenha penetrado no habitat de seus colegas hominídeos nessa época. O problema é dizer com certeza se houve convivência direta entre as espécies, porque a “resolução” das datações arqueológicas não é suficiente para confirmar a sobreposição — pode ser que um grupo só tenha aparecido no monte Carmelo alguns milhares de anos depois do outro. O mais provável é que essa primeira incursão do H. sapiens para fora da África tenha malogrado, porque sinais inequívocos da nossa espécie fora do berço africano só se fazem presentes por volta de 60 mil anos atrás. De qualquer maneira, seja nesse primeiro encontro em Israel, seja mais tarde, os dados de DNA indicam com bom grau de confiabilidade que as duas espécies acabaram se hibridizando e gerando descendentes.
revista Veja - Reinaldo Lopes

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Eu tenho um sonho ( realista ) - Caio Blinder

O meu sonho é humildemente menos atraente e menos comovente que o de Martin Luther King. Ele foi um pastor da humanidade (e não apenas de negros oprimidos pela segregação e racismo), dotado de uma retórica extraordinária, profética, bíblica. Há exatamente 50 anos, 28 de agosto de 1963, no discurso em Washington, Martin Luther King precisava sonhar alto, com as coisas tão desoladoras lá embaixo, no sul dos EUA, quando a polícia racista literalmente soltava os cachorros contra manifestantes pelos direitos civis. Contra a cachorrada racista, Luther King sonhava que seus quatro filhos um dia “viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas sim pelo conteúdo de seu caráter”. O perfeito sonho pós-racial é inatingível, embora faça bem ser embalado pelas palavras de Luther King. A vida é uma realidade de tantas identidades raciais, étnicas, nacionais, religiosas, classistas e sexuais. Eu apenas sonho com mais tolerância na aceitação das diferenças, das rivalidades e das múltiplas identidades. Temos nossas tribos, nossos times, nossas lealdades, nossos grupos de interesse para fazer pressão e aumentar o nosso quinhão. Em 50 anos, graças a pessoas sábias e abnegadas como Martin Luther King, a sociedade americana deu saltos qualitativos e quantitativos para que as pessoas sejam menos julgadas pela cor de sua pele e negros tenham um lugar mais digno sob o sol, igualdade de oportunidades. Há ainda racismo dos brancos e racismo reverso, mas não sou chegado em histrionismos (a indústria da exploração racial tem várias cores e tonalidades). Enquanto Martin Luther King discursava em Washington e cachorros estavam soltos, o racismo era tolerável. O fato é que hoje em dia ser abertamente racista é uma atitude social inaceitável. Diferenças, porém, persistem. Basta ver as distintas percepções em recentes pesquisas nos EUA. A maioria dos brancos acredita que a missão está cumprida e o sonho de Martin Luther King foi atingido. Esta é a percepção da minoria dos negros. Há indicadores fantásticos do avanço da minoria negra. O mais óbvio é Barack Obama na Casa Branca. Desde os anos 60, o índice de pobreza dos negros caiu de 42% para 28%. A disparidade de renda entre brancos e negros, no entanto, aumentou. Aqui a conversa, claro, politiza. Para uns, os programas sociais arquitetados nos anos 60 ainda são necessários; para outros, o foco deve ser na responsabilidade individual dos negros, pois a marcha guiada pelo governo e seus programas sociais deve acabar. No debate sobre distribuição de poder e recursos, os canais de representação estão bem definidos. Na expressão de Ross Douthat, colunista (conservador) do New York Times, o Partido Republicano é veículo da identidade branca, enquanto o Partido Democrata é veículo de clientelismo, não apenas de negros, mas de outras minorias. Está aí a prova da dificuldade de construção de uma sociedade pós-racial, embora racismo não seja mais aceitável. Douthat e outros lembram que patologias sociais consideradas “problemas negros”, como alto nível de desemprego, especialmente entre homens jovens, e desagregação familiar, estão disseminadas em outros setores da sociedade, tornando especialmente necessárias reformas carcerárias e educacionais. Uma resposta de setores marginalizados é o ressentimento. Negros e latinos acusam conservadores de estarem empenhados em suprimir o voto de minorias e reduzir programas sociais. Já setores remediados da classe trabalhadora branca, ao longo dos últimos 30 anos, abraçaram o Partido Republicano, repudiando os democratas, vistos como estimuladores de privilégios de minorias. O país é mais diverso, o que significa mais desafios para a acomodação e distribuição de recursos e de poder. As minorias avançam e setores brancos se sentem acuados. Por conveniências eleitorais e amarras ideológicas, os dois partidos preservam suas agendas. A polarização política no país dificulta a construção de pontes, embora elas existam na busca destas reformas, com alguns pontos de convergência entre um conservador e branco, como o governador do Texas, Rick Perry, e o negro liberal Erick Holder, ministro da Justiça. Barack Obama é herdeiro de alguns sonhos concretizados desde o discurso de Martin Luther King. lmpossível para ele será deixar o legado de pastor de uma sociedade pós-racial, como vaidosamente ambicionou. Mas um presidente, filho de mãe branca do Kansas e do pai negro do Quênia, discursando no aniversário dos 50 anos do “I Have a Dream” já é uma boa realidade.
Revista Veja - Blog de Caio Blinder - Nova York

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O Funeral de Deus

Lutero conta que certa vez estava tão deprimido sob o enorme peso de todas as pressões por causa da Reforma... perseguições, sua vida sob constante risco, preocupação com sua família, preocupações com a igreja... que todos os argumentos de Kate não estavam surtindo nenhum efeito sobre ele naquele estado. Ele diz que então Katharina, sua esposa, quando percebeu que nenhum argumento surtiu efeito, se vestiu completamente de preto. Lutero diz: "Quando eu a vi vestida assim, perguntei: 'Você vai a um funeral?' 'Não', respondeu Katharina, 'mas uma vez que você resolveu agir como se Deus estivesse morto, eu queria acompanhá-lo no seu luto'." Lutero diz: "Recebi o impacto das sábias palavras e atitude de Kate e compreendi a mensagem, e digo isso para minha grande vergonha. Me levantei imediatamente e completamente recuperado."
Josemar Bessa

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Marcos Pereira " A Pregação do Medo " - Isto É

Preso desde maio em uma cela isolada do presídio de Bangu 9, no subúrbio do Rio de Janeiro, o pastor Marcos Pereira, 56 anos, continua falando para multidões. Com sua pregação exaltada, segue angariando convertidos na cadeia. Ergue as mãos para fora das grades e, em voz alta, comanda a reza, que é acompanhada por detentos em celas próximas. Pereira não usufrui do banho de sol junto dos outros presos porque se recusa a tirar a camisa, alegando motivos religiosos. Está mais magro e perdeu um dos dentes da frente. “Ele vai ser absolvido. Ofereceram dinheiro para as supostas vítimas”, diz Luiz Carlos da Silva Neto, advogado do pastor. O pastor Marcos Pereira, fundador e líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias (Adud), é acusado de uma série de crimes, como associação ao tráfico e lavagem de dinheiro. Suspeito de ter praticado mais de 20 estupros contra mulheres, foi denunciado à polícia por oito delas, mas apenas dois dos casos viraram processos. Quatro prescreveram e outros dois ainda estão sendo investigados. Agora, surge uma nova acusação: uma testemunha disse à polícia que viu o assassinato da fiel Adelaide Nogueira dos Santos, 25 anos, em 2006, na Baixada Fluminense, e aponta Pereira como mandante. Adelaide foi estrangulada porque estaria preparando um dossiê contra o pastor. A testemunha acaba de pedir proteção policial. Ela reconheceu às autoridades que na época evitou apontá-lo como responsável por medo. Mas agora decidiu contar tudo o que sabe e responsabiliza Pereira pelo crime. Segundo a testemunha, que pede anonimato, “Adelaide citou orgias” e disse que Pereira “recebia de traficantes para fazer cultos”. A mãe da vítima, Amélia Pinheiro Batista, 65 anos, confirma as acusações e contou que foi vigiada por seguidores da igreja. Ela desconfia de um homem que bateu em sua porta pedindo comida, “mas esticou o pescoço” para olhar dentro de casa. “Era uma ameaça, tenho certeza.” Amélia não é a única a se sentir ameaçada pelos fiéis seguidores do pastor Pereira. ISTOÉ entrevistou duas mulheres que dizem ter sido estupradas pelo pastor. Elas pediram para não ser identificadas. Uma sofreu represália após um depoimento: disse que um grupo tentou arrombar a porta de sua casa e foi impedido por vizinhos. Todos da família se mudaram para casa de parentes. “Pensei em entrar para o Programa de Proteção à Testemunha, mas desisti por causa das crianças, que seriam obrigadas a mudar de escola. Todo dia eu penso: ‘Hoje eu não morri, graças a Deus’”, conta. A outra testemunha, também sob anonimato, diz, igualmente, viver com medo. “Estava numa loja e um homem da igreja chegou perto do caixa e começou a armar uma confusão. Era para me intimidar”, afirma. Pereira foi acusado, junto com dois integrantes da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, Lúcio Oliveira Câmara Filho e Daniel Candeias da Silva, de coação a testemunhas. Mas, devido a erros de procedimento do Ministério Público, esse processo foi suspenso e aguarda, agora, o procurador-geral de Justiça do Estado, Marfan Vieira, encaminhar de novo a denúncia à Justiça. “Com todas as vítimas, o pastor usava de seu poder como líder religioso e fazia ameaças, caso elas viessem a acusá-lo”, diz a promotora Luciana Barbosa Delgado, que atua num dos processos. “Por esse motivo, não me surpreende que muitas desistam de testemunhar.” REVIDE Amélia Batista, com a foto da filha Adelaide, morta em 2006. Testemunha diz que ela preparava um dossiê contra Pereira e por isso foi assassinada Nas contas do Ministério Público e do delegado titular da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), Márcio Dubugras, que comanda a maioria das investigações a respeito de Pereira, há dezenas de mulheres que teriam sido vítimas de abusos sexuais pelo pastor, algumas identificadas pelo primeiro nome ou por um apelido, mas que até hoje não depuseram. Uma peça-chave desapareceu: é a ex-mulher de Pereira Ana Madureira da Silva, cuja família ignora seu paradeiro. Depois de declarar em depoimento a autoridades policiais e à Justiça que fora estuprada pelo pastor, Ana postou um vídeo no YouTube dizendo: “Meu marido não me estuprou” e atribuiu as acusações à “galhofada” da mídia. Pereira se tornou famoso no Brasil por converter bandidos de alta periculosidade e ajudar a controlar rebeliões em presídios. Calcula-se que tenha dez mil seguidores. No ano passado, foi acusado por um ex-parceiro, o coordenador da ONG AfroReggae, José Júnior, de ser “a maior mente criminosa do Rio e de estar por trás de um plano para matá-lo”. Segundo Júnior, o pastor teria dito a traficantes presos que ele seria o responsável por transferências de chefes de facções de penitenciárias, o que equivale a uma sentença de morte. Júnior vive sob escolta policial e luta para prosseguir com a ONG que teve a unidade do complexo do Alemão incendiada e a da Vila Cruzeiro metralhada. Após um ano e meio do início das investigações, Pereira ainda não foi julgado. A explicação para a demora é que há fatos que ocorreram há muitos anos e são de difícil encaminhamento, até pela desistência de parte das testemunhas. À ISTOÉ, o coordenador do AfroReggae aponta outra causa: um lobby da bancada evangélica da Câmara dos Deputados estaduais para libertar o líder religioso. “O que mais me surpreendeu não foi a reação do narcotráfico (com quem o pastor é acusado de estar associado), mas a do efetivo de parlamentares que o apoiam”, diz. “Quando fiz a denúncia contra o pastor, sabia que estaria atingindo um alvo muito poderoso. Já fui aconselhado até a sair do País, mas não saio nem volto atrás”, garante. AGRESSÃO José Júnior, do AfroReggae: ele denunciou o pastor e duas unidades da ONG foram atacadas O delegado Dubugras apura o envolvimento do religioso também com o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e homicídios. “Ele demonstra ter relação íntima com os chefes do Comando Vermelho”, afirma. Numa conversa gravada com autorização da Justiça, em 10 de maio, na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas (PR), os traficantes Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Márcio Nepomuceno dos Santos, o Marcinho VP, lamentaram a prisão de Pereira e mandaram punir José Júnior, do AfroReggae. “Foi o Juninho que estava por trás disso. Tinha que mandar um salve lá para ele”, ordenou Beira-Mar. “Salve” significa ataque ou represália. Logo depois, as unidades da ONG foram incendiadas e metralhadas.
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